sexta-feira, 2 de maio de 2008

Literacia

A literacia refere-se à: “Capacidade de cada indivíduo compreender, usar textos escritos e reflectir sobre eles, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades e a participar activamente na sociedade” (PISA, 2001, p.9).


A relevância da leitura nas sociedades actuais tem estado associada a duas dimensões principais. A primeira relacionada com a aprendizagem, reconhece que ela é indispensável em todas as áreas curriculares e níveis de escolaridade. A segunda relaciona-se com a participação efectiva do homem na vida em sociedade. Estas duas asserções estão presentes na definição de literacia acima citada.
Martins (2004), procurando precisar as funções essenciais da leitura, selecciona três verbos que, no seu entender, melhor definem tais funções. São estes: transformar, compreender e julgar. O primeiro acontece quando o leitor converte a linguagem escrita em linguagem oral; o segundo efectiva-se quando o leitor consegue captar ou dar sentido ao conteúdo da mensagem; e, finalmente, o terceiro está presente quando o leitor analisa o valor da mensagem no contexto social.
Se ler é uma competência básica na sociedade actual, a sua aquisição deficiente compromete o rendimento escolar e social do indivíduo e da própria sociedade (Sim-Sim, 1994). O reconhecimento da ligação entre as duas premissas explica a importância que esta problemática tem tido ao nível da comunidade científica e política. A nível científico, os estudos no domínio da leitura têm procurado descrever os processos e os factores associados às dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita e elaborar instrumentos de avaliação e construção de programas de intervenção. A nível político, registam-se a elaboração de directrizes e implementação de medidas visando remediar e prevenir as dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Neste âmbito também são de referir vários estudos internacionais orientados para uma caracterização dos níveis de literacia alcançados. Portugal tem participado em vários destes estudos.
Os resultados obtidos indicam, como veremos de seguida, a existência de problemas significativos nesta área. Um dos primeiros estudos, Reading literacy (1989-1992), foi realizado com a orientação da International Association for the Evalution of Educacional Achievement (IEA) e envolveu os países da OCDE. No que se refere a Portugal, os resultados obtidos mostraram que grande parte dos alunos do quarto ano de escolaridade apresentava dificuldades mais acentuadas na compreensão da leitura do que a maioria dos seus pares dos outros países participantes. Só 49% dos alunos portugueses atingiam valores iguais ou superiores à média e destes apenas 5% resolveram itens de dificuldade superior. Neste estudo também se verificou que as raparigas obtinham resultados globais superiores em todos os países. Em relação à idade/desempenho de leitura, constatou-se uma relação negativa entre o nível de compreensão de leitura e a idade dos alunos. Quanto mais velhos, piores os seus desempenhos. Concluiu-se, então, que a repetência não melhorava a perícia de leitura. Os resultados nos processos de compreensão leitora mostraram que as questões de reconhecimento de palavras se apresentam como as mais fáceis, as questões de compreensão inferencial como as mais difíceis para os três grupos[1] de leitores ficando-se apenas por um terço (32%) de respostas correctas no grupo inferior. O grupo médio de leitores obtém desempenhos acima dos 50% em qualquer das competências analisadas e os alunos com menos perícia de leitura nunca ultrapassaram a barreira dos 50% de respostas correctas, com excepção do reconhecimento de palavras onde tocam os 60% de correcção (Sim-Sim & Ramalho, 1993, p.134).
O segundo estudo Programme for International Student Assessment (PISA-2000), envolveu 32 países. No ranking dos 32 países Portugal foi classificado em vigésimo quinto lugar. Os resultados deste estudo evidenciaram, mais uma vez, que os alunos portugueses apresentavam um desempenho médio modesto. Neste estudo, à semelhança do que aconteceu em todos os países participantes, verificou-se que as raparigas apresentavam, em média, melhores resultados do que os rapazes, sendo esta diferença estatisticamente significativa. Também neste estudo se verificou que os alunos com retenção (uma ou mais vezes) estão claramente afastados, pela negativa, dos seus colegas que seguem o percurso escolar sem repetição de ano.
Uma constatação é que os alunos portugueses obtêm globalmente um maior sucesso relativo quando o texto proposto é narrativo. Em contrapartida, quando se trata de um texto dramático ou informativo relativamente extenso, os alunos afastam-se, pela negativa, dos valores médios da OCDE.
No que respeita a tarefas que mobilizam mecanismos cognitivos de interpretação, isto é, a capacidade para obter significado e construir inferências, o desempenho dos alunos é relativamente positivo no que respeita aos textos narrativos, em oposição aos textos já mencionados, que são negativos. No entanto, quando os itens requerem reflexão avaliativa sobre o formato do texto, o que pressupõe um distanciamento do seu conteúdo, o desempenho é mais penalizado do que quando a reflexão recai sobre o conteúdo da informação que apela para conhecimentos prévios do sujeito.
Este estudo identifica, ao mesmo tempo, os factores mais significativos subjacentes ao rendimento escolar, destacando-se o gosto pela leitura, as estratégias de controlo, o esforço e perseverança, a motivação instrumental, o interesse pela leitura, a velocidade da leitura, os interesses sociais dos pais, os recursos educacionais familiares e os bens culturais da família.
O terceiro estudo da responsabilidade do DEB – Ministério da Educação (2000) foi efectuado, a nível nacional, junto dos alunos do 4.º ano de escolaridade. Os resultados não mostraram a existência de diferenças significativas em relação ao sexo, ao contrário do que sucede por idades. Os alunos mais novos têm resultados muito superiores aos alunos mais velhos. A análise dos resultados nacionais mostra um excelente desempenho dos alunos no que respeita à compreensão literal - verbatim (97% dos alunos respondem correctamente a esta questão) e maiores dificuldades nas restantes competências, sobretudo quando se trata de realizar inferências. Nas situações que implicam parafrasear só 34% dos alunos conseguem obter a pontuação máxima, 52% apenas parafraseiam parte da resposta enquanto 15% não respondem ou não transcrevem.
No que diz respeito ao processo de inferência, apenas 3% dos alunos respondem correctamente a argumentos de natureza objectiva e subjectiva, cerca de 45% explicam com dificuldades e constroem respostas incompletas e cerca de 52% ou não respondem ou erram.
Os resultados destes estudos apontam todos no mesmo sentido, ou seja, os alunos portugueses apresentam níveis de desempenho muito baixos. Por outro lado, não podemos deixar de salientar a estabilidade deste baixo desempenho ao longo dos anos. Desde o primeiro estudo realizado no final dos anos oitenta e início de noventa que o desempenho tem persistido como deficitário. Estes estudos assumem um carácter essencialmente descritivo, constituindo os dados uma fonte importante quer para a discussão dos factores explicativos dos resultados quer para o sentido das mudanças que é necessário introduzir.

[1]Com vista a uma maior precisão de comparação, há que referir que a média internacional, obtida através do método RASCH, se situou nos 500, com um desvio padrão de 100. Tal significa que alunos que pontuaram próximo da média internacional (500) são aqueles que tipicamente responderam aos itens de dificuldade intermédia. Pontuações abaixo de 400 revelam uma capacidade de leitura reduzida e, próximo de 600, uma capacidade de resolução de itens de grande dificuldade (Elley, 1992, cit. Sim-Sim, 1994, p. 133).

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